ANÁLISE
DO ROMANCE “A ESCRAVA ISAURA” DE BERNARDO GUIMARÃES
NARRADOR
- 3ª pessoa, onisciente;
- promove diálogos com o leitor:
“Dir-me-ão que, sendo Isaura uma
escrava, Leôncio, para achar-se a sós com ela, não precisava de semelhantes
subterfúgios, e nada mais tinha a fazer do que manda-la trazer à sua presença
por bem ou por mal.” (P.51)
“Já
são passados mais de dois meses depois da fuga de Isaura e agora, leitores,
enquanto Leôncio emprega diligências extraordinárias e meios extremos(…)” (P.
56)
-
utiliza-se do recurso
do flash-back para melhor explicar os acontecimentos:
“Não
pense o leitor que já se acha terminado o baile a que estávamos assistindo. A pequena
digressão, que por fora dele fizemos no capítulo antecedente, nos pareceu
necessária para explicar por que conjunto de circunstâncias fatais a nossa
heroína, sendo uma escrava, foi impelida a tomar a audaciosa resolução de
apresentar-se em um esplêndido e aristocrático sarau(…)” (P. 75)
PERSONAGENS
O romance A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, possui personagens
considerados planos, ou seja, durante toda a narrativa, nenhum deles sofre
mudanças em seus comportamentos. Seus personagens permanecem com as mesmas
virtudes e vícios ao longo de todo o romance.
No livro, a protagonista é, do início ao
fim da narrativa, uma moça simples, bem educada, submissa e conformada com sua
condição de escrava. Seu grande amor, Álvaro, também atua como Isaura: homem
rico e detentor das maiores virtudes do início ao fim do romance.
Esse procedimento utilizado pelo autor
na criação de seus personagens faz com que o leitor não tenha surpresas no
decorrer da leitura.
O mesmo não acontece nos romances de
outro escritor romântico: José de Alencar. No romance Senhora, por exemplo, a heroína Aurélia Camargo, moça simples e crente
no amor idealizado, transforma-se em uma mulher milionária, dura e descrente no
amor desinteressado. Do mesmo modo, Fernando Seixas também sofre mudanças de
comportamento, passando de um homem ambicioso, adepto do dinheiro fácil a um
homem que valoriza o amor e o trabalho.
Desse modo, o leitor dos romances de
Alencar surpreende-se com o desenrolar da trama e com as mudanças ocorridas em
seus personagens principais.
Vejamos agora alguns dos personagens do
romance A Escrava Isaura:
01) ISAURA: “bela e nobre figura de moça”.
Cabelos negros, pele branca. “O colo donoso e do mais puro lavor sustenta com
graça inefável o busto maravilhoso. Vestia-se com simplicidade, usando “uma
pequena cruz de azeviche presa ao pescoço por uma fita preta”. Fora criada pela
mãe de Leôncio como filha e recebera dela uma educação digna de uma moça da
sociedade. Tinha 17 anos.
02) LEÔNCIO: único filho do Comendador
Almeida. Dava preferência aos hábitos da devassidão e libertinagem em
detrimento aos estudos e ao trabalho. Retrato fiel do que se conhece de um
patriarca imperialista. Via no casamento “o meio mais suave e natural de
adquirir fortuna”. Apenas depois de casado, interessa-se por Isaura, nutrindo
por ela um sentimento tão forte, capaz de tudo para tê-la consigo. “- pensava
ele – Isaura era propriedade sua, e quando nenhum outro meio fosse eficaz,
restava-lhe o emprego da violência. Leôncio era um digno herdeiro de todos os
maus instintos e da brutal devassidão do comendador”.
03) ÁLVARO: tinha 25 anos, órfão de pai e
mãe e herdeiro de uma grande fortuna. “(…)era de estatura regular, esbelto, bem
feito e belo, mais pela nobre e simpática expressão da fisionomia do que pelos
traços físicos”. Não concordava com as distinções sociais bem como com os
privilégios dados àqueles mais abastados financeiramente. Era liberal,
republicano, “quase socialista” e abolicionista. Libertou todos os escravos que
recebeu como herança e organizou para eles uma colônia em suas fazendas. “A
fazenda lhes era dada para cultivar, a título de arrendamento, e eles
sujeitando-se a uma espécie de disciplina comum, não só preservavam-se de
entregar-se à ociosidade, ao vício e ao crime, tinham segura a subsistência e
podiam adquirir algum pecúlio, como também poderiam indenizar Álvaro do sacrifício
que fizera com sua emancipação”. (p. 63)
Amava também o luxo, os prazeres, a
elegância e as mulheres. Dedicava às mulheres um sentimento puro, ideal,
próprio do homem romântico.
“(…)
não deixava de amar os prazeres, o luxo, a elegância e, sobretudo, as mulheres,
mas com certo platonismo delicado, certa pureza ideal, próprios das almas
elevadas e dos corações bem formados. Entretanto, Álvaro não havia encontrado
até ali a mulher que lhe devia tocar o coração, a encarnação do tipo ideal que
lhe sorria nos sonhos vagos de sua poética imaginação”. (p.63)
04) MALVINA: esposa de Leôncio. Moça rica,
encantadora, com grandes e meigos olhos azuis. Já estava destinada a casar-se
com Leôncio graças ao acordo estabelecido entre as famílias. Apieda-se da
condição de Isaura e decide pedir a Leôncio a liberdade da escrava. Descobre
que seu marido se interessa por Isaura e decide sair de casa, pois Leôncio não
aceita desfazer-se da escrava. Malvina passa a ver Isaura como culpada das
investidas de seu marido graças às mentiras de Leôncio e Rosa.
05) MÃE DE LEÔNCIO: uma senhora boa e
respeitável que sofre com um casamento infeliz. Seu marido era adepto da
libertinagem e da devassidão. Viu no nascimento de Isaura um consolo das
angústias de sua vida infeliz. Criou e educou Isaura como filha. Temia que
Isaura fosse embora e, por isso, não lhe deu a liberdade. Entretanto, jurou que
colocaria esse pedido em seu testamento. Adoeceu e morreu antes que pudesse
realizar esse derradeiro desejo.
06) COMENDADOR ALMEIDA: pai de Leôncio.
Homem frio e péssimo marido. Interessa-se por uma negra chamada Juliana.
Cansado de assediar a escrava e não obter êxito, condena a pobre escrava a
trabalhar pesado na lavoura. Após a escrava apaixonar-se pelo feitor Miguel e
ter uma filha dele, o comendador aumenta a intensidade dos trabalhos destinados
à escrava e acaba matando Juliana. Ao morrer, o comendador deixa toa sua
riqueza, bem como suas dívidas, ao filho.
07) MIGUEL: feitor português e pai de
Isaura. Faz de tudo para obter a liberdade da filha. Ao perceber que Leôncio
jamais desistirá de Isaura, resolve fugir com a filha para Recife. É lá que
Isaura conhece e apaixona-se por Álvaro.
08) ROSA: escrava de Leôncio. Não gostava de
Isaura por acreditar ser ela a responsável pelo fim de seu relacionamento com
Leôncio.
TEMPO
“Era nos primeiros anos do reinado do
Sr. D. Pedro II”. (p. 09)
ESPAÇO
“No fértil e opulento município de
Campos de Goitacases, à margem do Paraíba, a pouca distância da vila de Campos,
havia uma linda e magnífica fazenda”. (p.09)
Este município foi um dos centros da
economia escravagista do Sudeste.
ASPECTOS
ROMÂNTICOS NA OBRA
A caracterização de Isaura como uma moça
linda, a mais bonita dentre todas as moças da região, já é uma forte característica
romântica, que se vale intensamente da idealização de seus personagens.
A impossibilidade amorosa, outra
característica do Romantismo, encontra-se na triste condição de escrava de Isaura.
Por ser cativa, a heroína tem consciência de que não poderá amar ninguém. Além
disso, o amor entre Isaura e Álvaro ficará comprometido graças a Leôncio e seu
sentimento de proprietário até mesmo dos sentimentos de sua escrava.
Há também, no romance, a noção de
primeiro e único amor, como no trecho abaixo:
“Amou-o
com esse amor exaltado das almas elevadas que amam pela primeira e única vez, e
esse amor, como bem se compreende, veio tornar ainda mais crítica e angustiosa
a sua já tão precária e mísera situação.” (P. 70)
A
LUTA CONTRA A ESCRAVIDÃO
No romance, a crítica contra o regime
escravocrata se faz presente em algumas falas de seus personagens, como por
exemplo no diálogo travado entre Álvaro e seu amigo Geraldo:
“-
Infame e cruel direito é esse, meu caro Geraldo. É já um escárnio dar-se o nome
de direito a uma instituição bárbara, contra a qual protestam altamente a
civilização, a moral e a religião. Porém, tolerar a sociedade que um senhor
tirano e brutal, levado por motivos infames e vergonhosos, tenha o direito de
torturar uma frágil e inocente criatura, só porque teve a desdita de nascer
escrava, é o requinte da celeradez e da abominação.
-
Não é tanto assim, meu caro Álvaro; esses excessos e abusos devem ser coibidos,
mas como poderá a justiça ou o poder público devassar o interior do lar doméstico
e ingerir-se no governo da casa do cidadão? Que abomináveis e hediondos
mistérios a que a escravidão dá lugar não se passam por esses engenhos e
fazendas, sem que, já não digo a justiça, mas nem mesmo os vizinhos deles
tenham conhecimento? … Enquanto houver escravidão hão de se dar desses
exemplos. Uma instituição má produz uma infinidade de abusos que só poderão ser
extintos, cortando-se o mal pela raiz.” (P.92)
Nesse outro trecho, Álvaro se coloca
contra o sistema de escravidão imposto:
“
– A escravidão em si mesma já é uma indignidade, uma úlcera hedionda na face da
nação, que a tolera e protege. Por minha parte, nenhum motivo enxergo para
levar a esse ponto o respeito por um preconceito absurdo, resultante de um
abuso, que nos desonra aos olhos do mundo civilizado”. (P. 94)
Além desse exemplo, temos na narrativa a
própria descrição da protagonista Isaura que, apesar de ser branca e a mais
linda das mulheres da região, é filha de uma escrava e por esse motivo também é
uma escrava.
De acordo com Alfredo Bosi, Bernardo
Guimarães estava mais ocupado em narrar sobre as perseguições sofridas pela
bela Isaura pela cobiça de um senhor vilão que reconstruir as misérias de um
regime servil. Apesar desses diálogos contra a escravidão e as distinções de
cor, toda a beleza de Isaura é colocada na sua cor nívea, branca, distante da
cor estigmatizada do escravo.
Nesse ponto, o autor deixou de abordar
em seu romance a real condição do negro e todas as misérias sofridas por essa
raça. Ao contrário do que realizou Castro Alves que se utilizou de seus poemas
para denunciar os horrores da escravidão, promovendo uma Literatura preocupada
com as questões sociais de sua época.
Segundo Bosi, “O que explica a beleza
‘branca’ de Isaura é a permanência dos padrões estéticos europeus.
A
FIGURA DA MULHER NO ROMANCE:
A protagonista Isaura pode ser analisada
a partir de dois aspectos: Isaura – escrava e Isaura-mulher.
Na Isaura-escrava temos uma mulher
conformada com a sua condição de escrava, submissa aos seus senhores. Na
Isaura-mulher temos, mais uma vez, uma mulher submissa ao universo masculino,
cuja educação foi baseada na educação das demais moças da época, ou seja,
criada para cuidar do lar, do marido e dos filhos.
“(…)
Posto que criada na sala e empregada quase sempre em trabalhos delicados,
todavia era ela hábil em todo o gênero de serviço doméstico: sabia fiar, tecer,
lavar, engomar, e cozinhar tão bem ou melhor do que qualquer outra”. (p.41)
Desse modo, o romance mostra de que
maneira a figura feminina é duplamente inferiorizada em relação ao homem, ao
seu senhor. Isaura é escrava, dentro de um sistema escravocrata, aceito pela
sociedade em geral com naturalidade. Ao mesmo tempo, é submetida a uma educação
refinada, na casa grande, como devem ser todas as filhas de senhores de
escravos, fazendeiros ricos e poderosos; recebe, então, o rótulo da mulher
branca.
A partir desses aspectos, podemos
perceber a dualidade da figura da mulher na sociedade imperialista em que o
elemento masculino é dominante. Também é possível perceber a impossibilidade de
liberdade da mulher que, mesmo livre dos grilhões de sua cor, que no caso de
Isaura não faz diferença, pois há a sua descendência negra, ainda é cativa de
um sistema social que aprisiona a mulher ao confinamento do lar e à servidão ao
esposo.
“À
medida que a menina foi crescendo e entrando em idade de aprender, foi-lhe ela
mesma ensinando a ler e escrever, coser e a rezar. Mais tarde procurou-lhe
também mestres da música, de dança, de italiano, de francês, de desenho,
comprou-lhe livros, e empenhou-se enfim em dar à menina a mais esmerada e fina
educação, como faria para uma filha querida. Isaura, por sua parte, não só pelo
desenvolvimento de suas graças e atrativos corporais, como pelos rápidos
progressos de sua viva e robusta inteligência, foi muito além das mais
exageradas esperanças da excelente velha, a qual em vista de tão felizes e
brilhantes resultados, cada vez mais se comprazia em lapidar e polir aquela
joia que ela dizia ser a pérola entrançada em seus cabelos brancos.” (p. 17)
REGIONALISMO
DE BERNARDO GUIMARÃES
O autor foi criticado por Monteiro
Lobato, que “dizia que o escritor romântico não reproduzia fielmente as
paisagens e personagens da roça: “Bernardo
descreve a natureza como um cego que ouvisse cantar e reproduzisse as paisagens
com os qualificativos surrados do mau contador. Não existe nele o vinco
enérgico da impressão pessoal. (…) Bernardo falsifica o nosso mato”.
Essa “falsificação” deve-se, talvez, ao
caráter romântico do autor, preso à idealização.
“As obras mais lidas de Bernardo Guimarães,
O Seminarista e A Escrava Isaura, devem sua popularidade menos a um progresso na
fabulação ou no traçado das personagens do que à garra dos problemas
explícitos: o celibato clerical, no primeiro, a escravidão no segundo.”*
*BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura
Brasileira. São Paulo, Cultrix, 36ª edição,1999.
BIBLIOGRAFIA
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo, Cultrix, 36ª
edição,1999.
GUIMARÃES, Bernardo. A Escrava Isaura. São Paulo, Editora
Ática, 17ª edição,1991.
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