segunda-feira, 23 de maio de 2016

A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARÃES - Análise do Romance

ANÁLISE DO ROMANCE “A ESCRAVA ISAURA” DE BERNARDO GUIMARÃES
NARRADOR
- 3ª pessoa, onisciente;
- promove diálogos com o leitor:
“Dir-me-ão que, sendo Isaura uma escrava, Leôncio, para achar-se a sós com ela, não precisava de semelhantes subterfúgios, e nada mais tinha a fazer do que manda-la trazer à sua presença por bem ou por mal.” (P.51)
“Já são passados mais de dois meses depois da fuga de Isaura e agora, leitores, enquanto Leôncio emprega diligências extraordinárias e meios extremos(…)” (P. 56)
- utiliza-se do recurso do flash-back para melhor explicar os acontecimentos:
“Não pense o leitor que já se acha terminado o baile a que estávamos assistindo. A pequena digressão, que por fora dele fizemos no capítulo antecedente, nos pareceu necessária para explicar por que conjunto de circunstâncias fatais a nossa heroína, sendo uma escrava, foi impelida a tomar a audaciosa resolução de apresentar-se em um esplêndido e aristocrático sarau(…)” (P. 75)

PERSONAGENS
O romance A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, possui personagens considerados planos, ou seja, durante toda a narrativa, nenhum deles sofre mudanças em seus comportamentos. Seus personagens permanecem com as mesmas virtudes e vícios ao longo de todo o romance.
No livro, a protagonista é, do início ao fim da narrativa, uma moça simples, bem educada, submissa e conformada com sua condição de escrava. Seu grande amor, Álvaro, também atua como Isaura: homem rico e detentor das maiores virtudes do início ao fim do romance.
Esse procedimento utilizado pelo autor na criação de seus personagens faz com que o leitor não tenha surpresas no decorrer da leitura.
O mesmo não acontece nos romances de outro escritor romântico: José de Alencar. No romance Senhora, por exemplo, a heroína Aurélia Camargo, moça simples e crente no amor idealizado, transforma-se em uma mulher milionária, dura e descrente no amor desinteressado. Do mesmo modo, Fernando Seixas também sofre mudanças de comportamento, passando de um homem ambicioso, adepto do dinheiro fácil a um homem que valoriza o amor e o trabalho.
Desse modo, o leitor dos romances de Alencar surpreende-se com o desenrolar da trama e com as mudanças ocorridas em seus personagens principais.
Vejamos agora alguns dos personagens do romance A Escrava Isaura:
01) ISAURA: “bela e nobre figura de moça”. Cabelos negros, pele branca. “O colo donoso e do mais puro lavor sustenta com graça inefável o busto maravilhoso. Vestia-se com simplicidade, usando “uma pequena cruz de azeviche presa ao pescoço por uma fita preta”. Fora criada pela mãe de Leôncio como filha e recebera dela uma educação digna de uma moça da sociedade. Tinha 17 anos.

02) LEÔNCIO: único filho do Comendador Almeida. Dava preferência aos hábitos da devassidão e libertinagem em detrimento aos estudos e ao trabalho. Retrato fiel do que se conhece de um patriarca imperialista. Via no casamento “o meio mais suave e natural de adquirir fortuna”. Apenas depois de casado, interessa-se por Isaura, nutrindo por ela um sentimento tão forte, capaz de tudo para tê-la consigo. “- pensava ele – Isaura era propriedade sua, e quando nenhum outro meio fosse eficaz, restava-lhe o emprego da violência. Leôncio era um digno herdeiro de todos os maus instintos e da brutal devassidão do comendador”.

03) ÁLVARO: tinha 25 anos, órfão de pai e mãe e herdeiro de uma grande fortuna. “(…)era de estatura regular, esbelto, bem feito e belo, mais pela nobre e simpática expressão da fisionomia do que pelos traços físicos”. Não concordava com as distinções sociais bem como com os privilégios dados àqueles mais abastados financeiramente. Era liberal, republicano, “quase socialista” e abolicionista. Libertou todos os escravos que recebeu como herança e organizou para eles uma colônia em suas fazendas. “A fazenda lhes era dada para cultivar, a título de arrendamento, e eles sujeitando-se a uma espécie de disciplina comum, não só preservavam-se de entregar-se à ociosidade, ao vício e ao crime, tinham segura a subsistência e podiam adquirir algum pecúlio, como também poderiam indenizar Álvaro do sacrifício que fizera com sua emancipação”. (p. 63)
Amava também o luxo, os prazeres, a elegância e as mulheres. Dedicava às mulheres um sentimento puro, ideal, próprio do homem romântico.
“(…) não deixava de amar os prazeres, o luxo, a elegância e, sobretudo, as mulheres, mas com certo platonismo delicado, certa pureza ideal, próprios das almas elevadas e dos corações bem formados. Entretanto, Álvaro não havia encontrado até ali a mulher que lhe devia tocar o coração, a encarnação do tipo ideal que lhe sorria nos sonhos vagos de sua poética imaginação”. (p.63)

04) MALVINA: esposa de Leôncio. Moça rica, encantadora, com grandes e meigos olhos azuis. Já estava destinada a casar-se com Leôncio graças ao acordo estabelecido entre as famílias. Apieda-se da condição de Isaura e decide pedir a Leôncio a liberdade da escrava. Descobre que seu marido se interessa por Isaura e decide sair de casa, pois Leôncio não aceita desfazer-se da escrava. Malvina passa a ver Isaura como culpada das investidas de seu marido graças às mentiras de Leôncio e Rosa.

05) MÃE DE LEÔNCIO: uma senhora boa e respeitável que sofre com um casamento infeliz. Seu marido era adepto da libertinagem e da devassidão. Viu no nascimento de Isaura um consolo das angústias de sua vida infeliz. Criou e educou Isaura como filha. Temia que Isaura fosse embora e, por isso, não lhe deu a liberdade. Entretanto, jurou que colocaria esse pedido em seu testamento. Adoeceu e morreu antes que pudesse realizar esse derradeiro desejo.

06) COMENDADOR ALMEIDA: pai de Leôncio. Homem frio e péssimo marido. Interessa-se por uma negra chamada Juliana. Cansado de assediar a escrava e não obter êxito, condena a pobre escrava a trabalhar pesado na lavoura. Após a escrava apaixonar-se pelo feitor Miguel e ter uma filha dele, o comendador aumenta a intensidade dos trabalhos destinados à escrava e acaba matando Juliana. Ao morrer, o comendador deixa toa sua riqueza, bem como suas dívidas, ao filho.

07) MIGUEL: feitor português e pai de Isaura. Faz de tudo para obter a liberdade da filha. Ao perceber que Leôncio jamais desistirá de Isaura, resolve fugir com a filha para Recife. É lá que Isaura conhece e apaixona-se por Álvaro.

08) ROSA: escrava de Leôncio. Não gostava de Isaura por acreditar ser ela a responsável pelo fim de seu relacionamento com Leôncio.

TEMPO
“Era nos primeiros anos do reinado do Sr. D. Pedro II”. (p. 09)

ESPAÇO
“No fértil e opulento município de Campos de Goitacases, à margem do Paraíba, a pouca distância da vila de Campos, havia uma linda e magnífica fazenda”. (p.09)
Este município foi um dos centros da economia escravagista do Sudeste.

ASPECTOS ROMÂNTICOS NA OBRA
A caracterização de Isaura como uma moça linda, a mais bonita dentre todas as moças da região, já é uma forte característica romântica, que se vale intensamente da idealização de seus personagens.
A impossibilidade amorosa, outra característica do Romantismo, encontra-se na triste condição de escrava de Isaura. Por ser cativa, a heroína tem consciência de que não poderá amar ninguém. Além disso, o amor entre Isaura e Álvaro ficará comprometido graças a Leôncio e seu sentimento de proprietário até mesmo dos sentimentos de sua escrava.
Há também, no romance, a noção de primeiro e único amor, como no trecho abaixo:
“Amou-o com esse amor exaltado das almas elevadas que amam pela primeira e única vez, e esse amor, como bem se compreende, veio tornar ainda mais crítica e angustiosa a sua já tão precária e mísera situação.” (P. 70)

A LUTA CONTRA A ESCRAVIDÃO
No romance, a crítica contra o regime escravocrata se faz presente em algumas falas de seus personagens, como por exemplo no diálogo travado entre Álvaro e seu amigo Geraldo:
“- Infame e cruel direito é esse, meu caro Geraldo. É já um escárnio dar-se o nome de direito a uma instituição bárbara, contra a qual protestam altamente a civilização, a moral e a religião. Porém, tolerar a sociedade que um senhor tirano e brutal, levado por motivos infames e vergonhosos, tenha o direito de torturar uma frágil e inocente criatura, só porque teve a desdita de nascer escrava, é o requinte da celeradez e da abominação.
- Não é tanto assim, meu caro Álvaro; esses excessos e abusos devem ser coibidos, mas como poderá a justiça ou o poder público devassar o interior do lar doméstico e ingerir-se no governo da casa do cidadão? Que abomináveis e hediondos mistérios a que a escravidão dá lugar não se passam por esses engenhos e fazendas, sem que, já não digo a justiça, mas nem mesmo os vizinhos deles tenham conhecimento? … Enquanto houver escravidão hão de se dar desses exemplos. Uma instituição má produz uma infinidade de abusos que só poderão ser extintos, cortando-se o mal pela raiz.” (P.92)
Nesse outro trecho, Álvaro se coloca contra o sistema de escravidão imposto:
“ – A escravidão em si mesma já é uma indignidade, uma úlcera hedionda na face da nação, que a tolera e protege. Por minha parte, nenhum motivo enxergo para levar a esse ponto o respeito por um preconceito absurdo, resultante de um abuso, que nos desonra aos olhos do mundo civilizado”. (P. 94)
Além desse exemplo, temos na narrativa a própria descrição da protagonista Isaura que, apesar de ser branca e a mais linda das mulheres da região, é filha de uma escrava e por esse motivo também é uma escrava. 
De acordo com Alfredo Bosi, Bernardo Guimarães estava mais ocupado em narrar sobre as perseguições sofridas pela bela Isaura pela cobiça de um senhor vilão que reconstruir as misérias de um regime servil. Apesar desses diálogos contra a escravidão e as distinções de cor, toda a beleza de Isaura é colocada na sua cor nívea, branca, distante da cor estigmatizada do escravo.
Nesse ponto, o autor deixou de abordar em seu romance a real condição do negro e todas as misérias sofridas por essa raça. Ao contrário do que realizou Castro Alves que se utilizou de seus poemas para denunciar os horrores da escravidão, promovendo uma Literatura preocupada com as questões sociais de sua época.

Segundo Bosi, “O que explica a beleza ‘branca’ de Isaura é a permanência dos padrões estéticos europeus.


A FIGURA DA MULHER NO ROMANCE:
A protagonista Isaura pode ser analisada a partir de dois aspectos: Isaura – escrava e Isaura-mulher.
Na Isaura-escrava temos uma mulher conformada com a sua condição de escrava, submissa aos seus senhores. Na Isaura-mulher temos, mais uma vez, uma mulher submissa ao universo masculino, cuja educação foi baseada na educação das demais moças da época, ou seja, criada para cuidar do lar, do marido e dos filhos.
“(…) Posto que criada na sala e empregada quase sempre em trabalhos delicados, todavia era ela hábil em todo o gênero de serviço doméstico: sabia fiar, tecer, lavar, engomar, e cozinhar tão bem ou melhor do que qualquer outra”. (p.41)
Desse modo, o romance mostra de que maneira a figura feminina é duplamente inferiorizada em relação ao homem, ao seu senhor. Isaura é escrava, dentro de um sistema escravocrata, aceito pela sociedade em geral com naturalidade. Ao mesmo tempo, é submetida a uma educação refinada, na casa grande, como devem ser todas as filhas de senhores de escravos, fazendeiros ricos e poderosos; recebe, então, o rótulo da mulher branca.
A partir desses aspectos, podemos perceber a dualidade da figura da mulher na sociedade imperialista em que o elemento masculino é dominante. Também é possível perceber a impossibilidade de liberdade da mulher que, mesmo livre dos grilhões de sua cor, que no caso de Isaura não faz diferença, pois há a sua descendência negra, ainda é cativa de um sistema social que aprisiona a mulher ao confinamento do lar e à servidão ao esposo.
“À medida que a menina foi crescendo e entrando em idade de aprender, foi-lhe ela mesma ensinando a ler e escrever, coser e a rezar. Mais tarde procurou-lhe também mestres da música, de dança, de italiano, de francês, de desenho, comprou-lhe livros, e empenhou-se enfim em dar à menina a mais esmerada e fina educação, como faria para uma filha querida. Isaura, por sua parte, não só pelo desenvolvimento de suas graças e atrativos corporais, como pelos rápidos progressos de sua viva e robusta inteligência, foi muito além das mais exageradas esperanças da excelente velha, a qual em vista de tão felizes e brilhantes resultados, cada vez mais se comprazia em lapidar e polir aquela joia que ela dizia ser a pérola entrançada em seus cabelos brancos.” (p. 17)

REGIONALISMO DE BERNARDO GUIMARÃES
O autor foi criticado por Monteiro Lobato, que “dizia que o escritor romântico não reproduzia fielmente as paisagens e personagens da roça: “Bernardo descreve a natureza como um cego que ouvisse cantar e reproduzisse as paisagens com os qualificativos surrados do mau contador. Não existe nele o vinco enérgico da impressão pessoal. (…) Bernardo falsifica o nosso mato”.
Essa “falsificação” deve-se, talvez, ao caráter romântico do autor, preso à idealização.
“As obras mais lidas de Bernardo Guimarães, O Seminarista e A Escrava Isaura, devem sua popularidade menos a um progresso na fabulação ou no traçado das personagens do que à garra dos problemas explícitos: o celibato clerical, no primeiro, a escravidão no segundo.”*
*BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo, Cultrix, 36ª edição,1999.

BIBLIOGRAFIA
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo, Cultrix, 36ª edição,1999.
GUIMARÃES, Bernardo. A Escrava Isaura. São Paulo, Editora Ática, 17ª edição,1991.






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