segunda-feira, 30 de maio de 2016

INOCÊNCIA - VISCONDE DE TAUNAY - ANÁLISE DO ROMANCE

No romance Inocência, além do drama amoroso vivido pela protagonista e Cirino, há também a descrição exata e minuciosa da natureza do sertão, do sertanejo e de seus costumes.
·         CARACTERÍSTICAS ROMÂNTICAS PRESENTES NA OBRA
1.    Presença da natureza: traço pertinente na estética romântica, a natureza atua como pano de fundo na narrativa, agindo também como reflexo dos sentimentos e sensações vividos pelos personagens. A natureza, no romance, funciona como mais um elemento na descrição fiel do ambiente sertanejo.
“ Ora é a perspectiva dos cerrados, não desses cerrados de arbustos raquíticos, enfezados e retorcidos de São Paulo e Minas Gerais, mas de garbosas e elevadas árvores que, se bem não tomem, todas, o corpo de que são capazes à beira das águas correntes ou regadas pela linfa dos córregos, contudo ensombram com folhuda rama o terreno que lhes fica em derredor e mostram na casca lisa a força da seiva que as alimenta ( …)”

2.    Impossibilidade amorosa: outra característica própria do Romantismo é o amor repleto de obstáculos ou impossível entre os amantes.
Inocência, quando conhece e se apaixona por Cirino, já está comprometida com um homem escolhido por seu pai.
Cirino e Inocência pertencem a mundos diferentes. Ele advindo do mundo urbano, aberto ao novo, e ela criada no mundo do sertão, presa aos costumes rígidos, à palavra dada, à inferiorização da mulher.
Essa diferença entre os mundos também impossibilita o amor entre os personagens.

3.    Sofrimento amoroso: é próprio do Romantismo sofrer por amor, principalmente diante da impossibilidade de os amantes viverem esse amor.
“ – Sim… você que é uma mulher como nunca vi… Seus olhos me queimaram… Sinto fogo dentro de mim… Já não vivo… o que só quero é vê-la… é amá-la, não conheço mais o que seja sono e, nesta semana, fiquei mais velho do que em muitos anos havia de ficar… E tudo, por quê, Inocência?
- Eu não sei, não, respondeu a pobrezinha com ingenuidade.
- Porque eu amo… amo-a, e sofro como um louco… como um perdido.”

4.    Idealização amorosa: a noção de que os amantes só serão felizes quando concretizarem seu amor. Essa concretização poderá acontecer nessa vida ou após a morte.



“ (…) Se eu me finasse e mecê também, punha-se a minha alma a correr pelos ares, procurando a de mecê, procurando, procurando, e então nós dois, juntinhos íamos Tiago, às vezes baixando a este ermo a ver onde é que botaram os nossos corpos… Não era tão bom?”

5.    Primeiro e único amor:
“ (…) Sou um rapaz de bons costumes… Até hoje nunca tinha amado mulher alguma… mas não sei como deixar de amar uma moça como você…"

6.    Religiosidade:
“ – Nossa Senhora da abadia, implorava ele puxando os cabelos com desespero, valei-me neste apuro em que me acho! Dai-me pelo menos esperanças de que aquela menina poderá um dia querer-me bem… Nada mais desejo… Possa o fogo que me consome abrasar também o seu peito…”

·         MUNDO RURAL X MUNDO URBANO
A narrativa estabelece a difícil convivência de personagens pertencentes aos dois mundos: o rural e o urbano.
Pereira, pai de Inocência, é o representante do mundo sertanejo. Tal mundo é caracterizado pela rigidez dos costumes, pela obediência à palavra dada e pela visão estigmatizada das mulheres.
O alemão Meyer, pesquisador de borboletas, representa o mundo urbano, científico e de costumes menos rígidos.
A dificuldade de interação entre os dois personagens surge quando Meyer, inadvertidamente, tece comentários sobre a beleza de Inocência. Pereira considera esses elogios como desrespeitosos e acaba por criar uma enorme antipatia pelo alemão.
“ Se, de um lado, criava involuntária admiração por Meyer e, rodeando-o, em sua imaginação, do prestígio de uma beleza irresistível, via aumentar o seu receio em abrigar tão perigoso sedutor; do outro, sentia as mãos presas pelas obrigações imperiosas da hospitalidade, a qual, com a recomendação expressa de seu irmão mais velho, assumia caráter quase sagrado. Juntem-se a isto os preconceitos sobre o recato doméstico, a responsabilidade de vedar o santuário da família aos olhos de todos, o amor extremoso à filha, em quem não depositava, contudo, como mulher que era, confiança alguma, as suposições logo ideadas acerca da impressão que naturalmente aquele estrangeiro produzira no coração da sua Inocência, já quase pertencendo ela a outrem, e as colisões que previu para manter inabalável a sua palavra de honra, palavra dada em dois sentidos agora antagônicos – um mundo enfim de cogitações e de terrores. E tudo isto revolvendo-se na cabeça de Pereira, refletia-se com sombrios traços de inquietação em seu rosto habitualmente tão jovial”.

Meyer, por outro lado, não percebe sua inconveniência em relação aos costumes seguidos por Pereira e continua elogiando e comentando sobre a filha do sertanejo.
“ – Aqui, no sertão do Brasil, há o mau costume de esconder as mulheres. Viajante não sabe de todo se são bonitas, se feias, e nada pode contar nos livros para o conhecimento dos que leem. Mas, palavra de honra, Sr. Pereira, se todas se parecessem com esta sua filha, é coisa muito e muito digna de ser vista e escrita! Eu…”
Cirino é o único que transita entre os dois mundos. Como possui alguma instrução, tendo frequentado uma importante instituição de sua cidade, Cirino é um representante do mundo urbano.
Entretanto, “devido às suas origens e também à sua atual profissão, tem vínculos também com o mundo rural”.
Mesmo transitando nos dois mundos, Cirino não concorda com determinados costumes e opiniões do sertanejo.
O pensamento de Cirino sobre as mulheres é totalmente divergente da opinião preconceituosa de Pereira, demonstrando, assim, os contrastes entre os dois mundos.
“ – Sr. Pereira, replicou Cirino com calma, já lhe disse e torno-lhe a dizer que, como médico, estou há muito tempo acostumado a lidar com famílias e a respeitá-las. É este meu dever, e até hoje, graças a Deus, minha fama é boa… Quanto às mulheres, não tenho as suas opiniões, nem as acho razoáveis nem de justiça. (…) O senhor falou-me com toda franqueza, e também com franqueza lhe quero responder. No meu parecer, as mulheres são tão boas como nós, se não melhores: não há, pois, motivo para tanto desconfiar delas e ter os homens em tão boa conta… Enfim, essas suas ideias podem quadrar-lhe à vontade, e é costume meu antigo a ninguém contrariar, para viver bem com todos e deles merecer o tratamento que julgo ter direito a receber.”

·         LINGUAGEM
Diferente do que ocorre no romance A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, em que há a predominância da linguagem culta, erudita, aparecendo, raras vezes, registros de um falar próprio dos escravos, no romance Inocência “as falas dos personagens trazem expressões locais pitorescas, demonstrando o esforço de registro linguístico”.
As expressões e ditos populares são explicados pelo autor através de notas de rodapé.
O narrador, entretanto, coloca-se distante desse discurso coloquial, assumindo “sua condição de produto cultural erudito e elevado”.
“ – Vassuncê não credita! Protesta então com calor. Pois encilhe o seu bicho e caminhe como eu lhe disser. Mas assunte bem, que no terceiro dia de viagem ficará decidido quem é cavouqueiro e embromador. Uma coisa é mapiar à toa, outra andar com tento por estes mundos de Cristo”.

·         NARRADOR
O narrador da obra é onisciente e apresenta algumas opiniões a respeito dos costumes e hábitos dos sertanejos.
Há uma grave crítica do autor ao patriarcalismo do sertanejo e essa crítica aparece nos comentários do narrador.
“ Esta opinião injuriosa sobre as mulheres é, em geral, corrente nos nossos sertões e traz como consequência imediata e prática, além da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento convencionado entre parentes muito chegados para filhos de menor idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos, mal se suspeita possibilidade de qualquer intriga amorosa entre pessoa da família e algum estranho.”

·         AUSÊNCIA DE IDEALIZAÇÃO EM ALGUNS ASPECTOS
O sertanejo é descrito no romance de maneira menos idealizada, sendo ressaltada sua visão deturpada da figura feminina, seus costumes rígidos.
Do mesmo modo, os amantes Inocência e Cirino também são apresentados na narrativa como possuidores de virtudes e de vícios.
Inocência é imensamente bela, porém, graças à educação recebida do pai, foi impedida de estudar, não sabendo ler e escrever.
A protagonista do romance A Escrava Isaura, apesar de sua condição de cativa e vivendo em uma sociedade igualmente patriarcal, possuía uma educação invejável. Isaura aprendeu várias línguas, teve conhecimentos sobre Arte, Música, bem como os afazeres domésticos, confirmando o aspecto idealizado de seu personagem.
Taunay decidiu deixar um pouco de lado a idealização para construir personagens mais verossímeis.
Cirino, do mesmo modo, também não é exemplo de idealização romântica. Estudou farmácia e se autopromoveu médico. Precisava curar doentes pelo sertão, pois com o dinheiro recebido poderia pagar uma grande dívida de jogo.
“ Curandeiro, simples curandeiro, ia por toda a parte granjeando o tratamento de doutor, que gradualmente lhe foi parecendo, a si próprio, título inerente à sua pessoa e a que tinha incontestável direito.
Bem formado era o coração daquele moço, sua alma elevada e incapaz de pensamentos menos indignos; entretanto no íntimo de seu caráter se haviam insensivelmente enraizado certos hábitos de orgulho, repassado de tal ou qual charlatanismo, oriundo não só da flagrante insuficiência científica, como da roda em que sempre vivera”.

·         A FIGURA DA MULHER NO ROMANCE
A mulher é vista no romance como responsável por todos os infortúnios dos homens, sendo tratada como sedutora e incitadora dos seus maus comportamentos.
“ – E mulher, prosseguiu o mineiro com raivosa volubilidade, é gente tão levada da breca, que se lambe toda de gosto com ditinhos e requebros desta súcia de embromadores. Com elas, digo eu sempre, não há que fiar… Má hora me trouxe este alamão…”
Essa visão inferiorizada da mulher pode ser observada nos arranjos matrimoniais. Enquanto no romance Senhora, de José de Alencar, o casamento é visto como meio de ascensão social, através do uso do dote e, por esse motivo, criticado na obra.
O casamento, em Inocência, é a única saída para as famílias preocupadas com a reputação de suas filhas.
As mulheres, de acordo com o costume sertanejo, não têm o direito de escolher seus maridos, cabendo ao pai essa função.
Desse modo, Taunay nos mostra que o casamento mantém a mulher sempre subordinada ao homem, saindo da dominação do pai para submeter-se ao marido.
“ – E o que nos importa isso? Uma menina como ela não sabe o que lhe fica bem ou mal… Ninguém a vai consultar. Mulheres, o que querem é casar. Não ouviu já o patrício dizer que elas não casam com carrapato, porque não sabem qual é o macho?”
Além de não poder escolher seu marido, a mulher também não tinha direito à educação.
Inocência não sabia ler e escrever, pois sua única obrigação era cuidar da casa, do marido e dos filhos.
“ (…) Mulher é para viver muito quietinha perto do tear, tratar dos filhos e cria-los no temor de Deus; não é nem para parolar-se com ela, nem a respeito dela”.
A personagem possui o desejo de ler, mas é logo tolhida por Pereira, seu pai.
“(…) Pois não é que um belo dia ela me pediu que lhe ensinasse a ler?… Que ideia! Ainda há pouco tempo me disse que quisera ter nascido princesa… Eu lhe retruquei: e sabe você o que é ser princesa? Sei, me secundou ela com toda clareza, é uma moça muito boa, muito bonita, que tem uma coroa de diamantes na cabeça, muitos lavrados no pescoço e que manda nos homens… Fiquei meio tonto”.
De acordo com o fragmento acima, Inocência expressava o desejo, talvez de muitas mulheres da época, de livrar-se da dominação masculina.

·         BIBLIOGRAFIA
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo, Cultrix, 36ª edição,1999.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo, Ática, 30ª edição, 2011.
educação.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/inocência.html










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