CÂNTICO
DO CALVÁRIO
À memória de meu Filho
morto a 11 de dezembro de 1863
Eras na
vida a pomba predileta
Que sobre
um mar de angústias conduzia
O ramo da
esperança. Eras a estrela
Que entre
as névoas do inverno cintilava
Apontando
o caminho ao pegureiro.
Eras a
messe de um dourado estio.
Eras o
idílio de um amor sublime.
Eras a
glória, a inspiração, a pátria,
O porvir
de teu pai! - Ah! no entanto,
Pomba, -
varou-te a flecha do destino!
Astro, -
engoliu-te o temporal do norte!
Teto, -
caíste!- Crença, já não vives!
Correi,
correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado
acerbo da ventura extinta,
Dúbios
archotes que a tremer clareiam
A lousa
fria de um sonhar que é morto!
Correi!
um dia vos verei mais belas
Que os
diamantes de Ofir e de Golconda
Fulgurar
na coroa de martírios
Que me
circunda a fronte cismadora!
São
mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus
vos faz brilhar, lágrimas santas,
E à vossa
luz caminharei nos ermos!
Estrelas
do sofrer, gotas de mágoa,
Brando
orvalho do céu! Sede benditas!
Oh! filho
de minh'alma! Última rosa
Que neste
solo ingrato vicejava!
Minha
esperança amargamente doce!
Quando as
garças vierem do ocidente
Buscando
um novo clima onde pausarem,
Não mais
te embalarei sobre os joelhos,
Nem de
teus olhos no cerúleo brilho
Acharei
um consolo a meus tormentos!
Não mais
invocarei a musa errante
Nesses
retiros onde cada folha
Era um
polido espelho de esmeralda
Que
refletia os fugitivos quadros
Dos
suspirados tempos que se foram!
Não mais
perdido em vaporosas cismas
Escutarei
ao pôr-do-sol, nas serras,
Vibrar a
trompa sonorosa e leda
Do
caçador que aos lares se recolhe!
Não mais!
A areia tem corrido, e o livro
De minha
infanda história está completo!
Pouco
tenho de andar! Um passo ainda
E o fruto
de meus dias, negro, podre,
Do galho
eivado rolará por terra
Ainda um
treno, e o vendaval sem freio
Ao soprar
quebrará a última fibra
Da lira
infausta que nas mãos sustenho!
Tornei-me
o eco das tristezas todas
Que entre
os homens achei! o lago escuro
Onde o
clarão dos fogos da tormenta
Miram-se
as larvas fúnebres do estrago!
Por toda
a parte em que arrastei meu manto
Deixei um
traço fundo de agonias!...
Oh!
quantas horas não gastei, sentado
Sobre as
costas bravias do Oceano,
Esperando
que a vida se esvaísse
Como um
floco de espuma, ou como o friso
Que deixa
n'água o lenha do barqueiro!
Quantos
momentos de loucura e febre
Não
consumi perdido nos desertos,
Escutando
os rumores das florestas,
E
procurando nessas vozes torvas
Distinguir
o meu cântico de morte?
Quantas
noites de angústias e delírios
Não
velei, entre as sombras espreitando
A
passagem veloz do gênio horrendo
Que o
mundo abate ao galopar infrene
Do
selvagem corcel!... E tudo embalde!
A vida
parecia ardente e doida
Agarrar-se
a meu ser!... E tu tão jovem,
Tão puro
ainda, ainda n'alvorada,
Ave
banhada em mares de esperança,
Rosa em
botão, crisálida entre luzes,
Foste o
escolhido na tremenda ceifa!
Ah!
quando a vez primeira em meus cabelos
Senti
bater teu hálito suave:
Quando em
meus braços te cerrei, ouvindo
Pulsar-te
o coração divino ainda;
Quando
fitei teus olhos sossegados,
Abismos
de inocência e de candura,
E baixo e
a medo murmurei: meu filho!
Meu
filho! Frase imensa, inexplicável,
Grata
como o chorar de Madalena
Aos pés
do Redentor... ah! pelas fibras
Senti
rugir o vento incendiado
Desse
amor infinito que eterniza
O
consórcio dos orbes que se enredam
Dos
mistérios do ser na teia augusta
Que
prende o céu à terra e a terra aos anjos!
Que se
expande em torrentes inefáveis
Do seio
imaculado de Maria!
Cegou-me
tanta luz! Errei, fui homem!
E de meu
erro a punição cruenta
Na mesma
glória que elevou-me aos astros,
Chorando
aos pés da cruz, hoje padeço!
O som da
orquestra, o retumbar dos bronzes,
A voz
mentida de rafeiros bardos,
Torpe
alegria que circunda os berços
Quando a
opulência doura-lhes as bordas,
Não te
saudaram ao sorrir primeiro,
Clícia
mimosa rebentada à sombra!
Mas, ah!
se pompas, esplendor faltaram-te,
Tiveste
mais que os príncipes da terra!
Templos,
altares de afeição sem termos!
Mundos de
sentimento e de magia!
Cantos
ditados pelo próprio Deus!
Oh!
quantos reis que a humanidade aviltam,
E o gênio
esmagam dos soberbos tronos,
Trocariam
a púrpura romana
Por um
verso, uma nota, um som apenas
Dos
fecundos poemas que inspiraste!
Que belos
sonhos! Que ilusões benditas!
Do cantor
infeliz lançaste à vida,
Arco-íris
de amor! luz da aliança,
Calma e
fulgente em meio da tormenta!
Do exílio
escuro a cítara chorosa
Surgiu de
novo e às virações errantes
Lançou
dilúvios de harmonia! O gozo
Ao pranto
sucedeu. As férreas horas
Em
desejos alados se mudaram.
Noites
fugiam, madrugadas vinham,
Mas
sepultado num prazer profundo
Não te
deixava o berço descuidoso,
Nem de
teu rosto meu olhar tirava,
Nem de
outros sonhos que dos teus vivia!
Como eras
lindo! Nas rosadas faces
Tinhas
ainda o tépido vestígio
Dos
beijos divinais, - nos olhos langues
Brilhava
o brando raio que acendera
A bênção
do Senhor quando o deixaste!
Sobre teu
corpo a chusma dos anjinhos,
Filhos do
éter e da luz, voavam,
Riam-se
alegres, das caçoilas níveas
Celeste
aroma te vertendo ao corpo!
E eu
dizia comigo:- teu destino
Será mais
belo que o cantar das fadas
Que
dançam no arrebol, - mais triunfante
Que o sol
nascente derribando ao nada
Muralhas
de negrume!... Irás tão alto
Como o
pássaro-rei do Novo Mundo!
Ai! doido
sonho!... Uma estação passou-se
E tantas
glórias, tão risonhos planos
Desfizeram-se
em pó! O gênio escuro
Abrasou
com seu facho ensangüentado
Meus
soberbos castelos. A desgraça
Sentou-se
em meu solar, e a soberana
Dos
sinistros impérios de além-mundo
Com seu
dedo real selou-te a fronte!
Inda te
vejo pelas noites minhas,
Em meus
dias sem luz vejo-te ainda,
Creio-te
vivo, e morto te pranteio!...
Ouço o
tanger monótono dos sinos,
E cada
vibração contar parece
As
ilusões que murcham-se contigo!
Cheias de
frases pueris, estultas,
O linho
mortuário que retalham
Para
envolver teu corpo! Vejo esparsas
Saudades
e perpétuas, sinto o aroma
Do
incenso das igrejas, ouço os cantos
Dos
ministros de Deus que me repetem
Que não
és mais da terra!... E choro embalde.
Mas não!
Tu dormes no infinito seio
Do
Criador dos seres! Tu me falas
Na voz
dos ventos, no chorar das aves,
Talvez
das ondas no respiro flébil!
Tu me
contemplas lá do céu, quem sabe?
No vulto
solitário de uma estrela.
E são
teus raios que meu estro aquecem!
Pois bem!
Mostra-me as voltas do caminho!
Brilha e fulgura no azulado manto,
Mas não
te arrojes, lágrima da noite,
Nas ondas
nebulosas do ocidente!
Brilha e
fulgura! Quando a morte fria
Sobre mim
sacudir o pó das asas,
Escada de
Jacó serão teus raios
Por onde
asinha subirá minh'alma.
BANDEIRA, Manuel (org.). Apresentação da Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.
A) A
exaltação da mulher amada e o sofrimento amoroso são os temas presentes no
poema.
B)
A
obra possui como temática a morte precoce do filho do peta e o sofrimento deste
diante de tamanha perda.
C) Atendendo
às características presentes no Ultrarromantismo, o poema apresenta o
nacionalismo e a idealização do índio.
D)
O
poema apresenta o sofrimento de um pai diante da morte do filho e de que
maneira esse pai conseguiu superar essa perda.
E)
O
poema possui como tema a morte precoce do filho do poeta, utilizando uma
linguagem objetiva, isenta de sentimentalismo.
02. “Eras na vida a pomba predileta / Que
sobre um mar de angústias conduzia / O ramo da esperança.”. O fragmento retrata
um episódio bíblico. Que episódio é esse?
03. A quem se refere o termo destacado no
trecho: “Eras na vida a pomba
predileta”? E que sentido pode ser atribuído?
04. No trecho “Ah! No entanto/ Pomba, -
varou-te a flecha do destino!”, o termo destacado refere-se à:
A)
Esperança
B)
Lamentação
C)
Morte
D)
Saudade
E)
Tristeza
05. O poema Cântico do Calvário é
representativo da chamada 2ª geração romântica ou Ultrarromantismo. Cite
algumas características dessa geração.
06. O que o eu-lírico quis dizer com os
versos: “A areia tem corrido, e o livro / De minha infanda história está
completo!”?
07. No verso: “Foste o escolhido na tremenda ceifa!”, a expressão
destacada tem o mesmo sentido de:
A)
Angústia
B)
Destino
C)
Morte
D)
Pureza
E)
Vida
08. Nos versos “Tão puro ainda, ainda
n’alvorada, / Ave banhada em mares de esperança”, o trecho destacado representa
que figura de linguagem?
A)
Antítese
B)
Metáfora
C)
Metonímia
D)
Prosopopeia
E)
Sinestesia
Leia
os versos abaixo e responda às questões 09 e 10 :
E
eu dizia comigo:- teu destino
Será
mais belo que o cantar das fadas
Que
dançam no arrebol, - mais triunfante
Que
o sol nascente derribando ao nada
Muralhas
de negrume!... Irás tão alto
Como
o pássaro-rei do Novo Mundo!
Ai!
doido sonho!... Uma estação passou-se
E
tantas glórias, tão risonhos planos
Desfizeram-se
em pó! O gênio escuro
Abrasou
com seu facho ensanguentado
Meus
soberbos castelos.
09. De acordo com os versos acima, pode-se
inferir que
A)
Apesar
de prematura, o pai já esperava pela morte do filho.
B) Diante
da certeza da morte, o pai procurou não fazer planos. Preferiu conformar-se com
a situação.
C)
Mesmo
após a morte do filho, o pai continuava a fazer planos para o futuro.
D) O
pai fazia planos grandiosos para o futuro de seu filho, porém a morte prematura
da criança impediu tais sonhos.
E)
O
pai procurava consolo nos planos soberbos que fez para o futuro do filho.
10. A que se refere o termo “O Gênio
escuro”?
GABARITO
01. B
02. De acordo com o livro de Gênesis, Noé,
após o dilúvio, soltou uma pomba para ver se as águas já teriam minguado da
superfície da Terra. A pomba voltou, trazendo no bico uma folha nova de
oliveira. Noé entendeu, desse modo, que as águas tinham minguado sobre a Terra.
03. O termo refere-se ao filho do poeta, que
simbolizava a esperança para o pai.
04. C
05. – Desejo de evasão da realidade;
-
Atração pelo mistério;
-
Consciência da inadaptação do artista à sociedade;
-
Culto a uma natureza mórbida e soturna;
-
Idealização da mulher virginal e etérea;
-
Atração pela morte.
06. O eu-lírico afirma que
já viveu o bastante, que não há mais motivo para continuar vivendo.
07. C
08.B
09. D
10. Morte
Parabéns, professora Aline Parente! Esta atividade é ímpar no tocante ao estudo do texto literário. Muito bem elaborada e explorando todas as nuances do poema.
ResponderExcluirFico muito feliz que vc tenha gostado! Seu elogio é mais uma motivação para continuar com esse árduo e delicioso trabalho. Obrigada!
ExcluirAline, gostei bastante da atividade postada. Com certeza, é um deleite poder ler este lindo poema de Fagundes Varela e ainda ter acesso a questões que exploram muito bem o texto. Espero que você continue postando atividades assim, pois pretendo acompanhar rotineiramente o seu blog.
ResponderExcluirQue coisa boa Suziane! Agora estou ainda mais motivada! Muito obrigada!
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