segunda-feira, 2 de maio de 2016

CÂNTICO DO CALVÁRIO, DE FAGUNDES VARELA - Atividades referentes ao poema




CÂNTICO DO CALVÁRIO
À memória de meu Filho
morto a 11 de dezembro de 1863
Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, a inspiração, a pátria,
O porvir de teu pai! - Ah! no entanto,
Pomba, - varou-te a flecha do destino!
Astro, - engoliu-te o temporal do norte!
Teto, - caíste!- Crença, já não vives!
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
Correi! um dia vos verei mais belas
Que os diamantes de Ofir e de Golconda
Fulgurar na coroa de martírios
Que me circunda a fronte cismadora!
São mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas,
E à vossa luz caminharei nos ermos!
Estrelas do sofrer, gotas de mágoa,
Brando orvalho do céu! Sede benditas!
Oh! filho de minh'alma! Última rosa
Que neste solo ingrato vicejava!
Minha esperança amargamente doce!
Quando as garças vierem do ocidente
Buscando um novo clima onde pausarem,
Não mais te embalarei sobre os joelhos,
Nem de teus olhos no cerúleo brilho
Acharei um consolo a meus tormentos!
Não mais invocarei a musa errante
Nesses retiros onde cada folha
Era um polido espelho de esmeralda
Que refletia os fugitivos quadros
Dos suspirados tempos que se foram!
Não mais perdido em vaporosas cismas
Escutarei ao pôr-do-sol, nas serras,
Vibrar a trompa sonorosa e leda
Do caçador que aos lares se recolhe!
Não mais! A areia tem corrido, e o livro
De minha infanda história está completo!
Pouco tenho de andar! Um passo ainda
E o fruto de meus dias, negro, podre,
Do galho eivado rolará por terra
Ainda um treno, e o vendaval sem freio
Ao soprar quebrará a última fibra
Da lira infausta que nas mãos sustenho!
Tornei-me o eco das tristezas todas
Que entre os homens achei! o lago escuro
Onde o clarão dos fogos da tormenta
Miram-se as larvas fúnebres do estrago!
Por toda a parte em que arrastei meu manto
Deixei um traço fundo de agonias!...
Oh! quantas horas não gastei, sentado
Sobre as costas bravias do Oceano,
Esperando que a vida se esvaísse
Como um floco de espuma, ou como o friso
Que deixa n'água o lenha do barqueiro!
Quantos momentos de loucura e febre
Não consumi perdido nos desertos,
Escutando os rumores das florestas,
E procurando nessas vozes torvas
Distinguir o meu cântico de morte?
Quantas noites de angústias e delírios
Não velei, entre as sombras espreitando
A passagem veloz do gênio horrendo
Que o mundo abate ao galopar infrene
Do selvagem corcel!... E tudo embalde!
A vida parecia ardente e doida
Agarrar-se a meu ser!... E tu tão jovem,
Tão puro ainda, ainda n'alvorada,
Ave banhada em mares de esperança,
Rosa em botão, crisálida entre luzes,
Foste o escolhido na tremenda ceifa!
Ah! quando a vez primeira em meus cabelos
Senti bater teu hálito suave:
Quando em meus braços te cerrei, ouvindo
Pulsar-te o coração divino ainda;
Quando fitei teus olhos sossegados,
Abismos de inocência e de candura,
E baixo e a medo murmurei: meu filho!
Meu filho! Frase imensa, inexplicável,
Grata como o chorar de Madalena
Aos pés do Redentor... ah! pelas fibras
Senti rugir o vento incendiado
Desse amor infinito que eterniza
O consórcio dos orbes que se enredam
Dos mistérios do ser na teia augusta
Que prende o céu à terra e a terra aos anjos!
Que se expande em torrentes inefáveis
Do seio imaculado de Maria!
Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!
E de meu erro a punição cruenta
Na mesma glória que elevou-me aos astros,
Chorando aos pés da cruz, hoje padeço!
O som da orquestra, o retumbar dos bronzes,
A voz mentida de rafeiros bardos,
Torpe alegria que circunda os berços
Quando a opulência doura-lhes as bordas,
Não te saudaram ao sorrir primeiro,
Clícia mimosa rebentada à sombra!
Mas, ah! se pompas, esplendor faltaram-te,
Tiveste mais que os príncipes da terra!
Templos, altares de afeição sem termos!
Mundos de sentimento e de magia!
Cantos ditados pelo próprio Deus!
Oh! quantos reis que a humanidade aviltam,
E o gênio esmagam dos soberbos tronos,
Trocariam a púrpura romana
Por um verso, uma nota, um som apenas
Dos fecundos poemas que inspiraste!
Que belos sonhos! Que ilusões benditas!
Do cantor infeliz lançaste à vida,
Arco-íris de amor! luz da aliança,
Calma e fulgente em meio da tormenta!
Do exílio escuro a cítara chorosa
Surgiu de novo e às virações errantes
Lançou dilúvios de harmonia! O gozo
Ao pranto sucedeu. As férreas horas
Em desejos alados se mudaram.
Noites fugiam, madrugadas vinham,
Mas sepultado num prazer profundo
Não te deixava o berço descuidoso,
Nem de teu rosto meu olhar tirava,
Nem de outros sonhos que dos teus vivia!
Como eras lindo! Nas rosadas faces
Tinhas ainda o tépido vestígio
Dos beijos divinais, - nos olhos langues
Brilhava o brando raio que acendera
A bênção do Senhor quando o deixaste!
Sobre teu corpo a chusma dos anjinhos,
Filhos do éter e da luz, voavam,
Riam-se alegres, das caçoilas níveas
Celeste aroma te vertendo ao corpo!
E eu dizia comigo:- teu destino
Será mais belo que o cantar das fadas
Que dançam no arrebol, - mais triunfante
Que o sol nascente derribando ao nada
Muralhas de negrume!... Irás tão alto
Como o pássaro-rei do Novo Mundo!
Ai! doido sonho!... Uma estação passou-se
E tantas glórias, tão risonhos planos
Desfizeram-se em pó! O gênio escuro
Abrasou com seu facho ensangüentado
Meus soberbos castelos. A desgraça
Sentou-se em meu solar, e a soberana
Dos sinistros impérios de além-mundo
Com seu dedo real selou-te a fronte!
Inda te vejo pelas noites minhas,
Em meus dias sem luz vejo-te ainda,
Creio-te vivo, e morto te pranteio!...
Ouço o tanger monótono dos sinos,
E cada vibração contar parece
As ilusões que murcham-se contigo!
Cheias de frases pueris, estultas,
O linho mortuário que retalham
Para envolver teu corpo! Vejo esparsas
Saudades e perpétuas, sinto o aroma
Do incenso das igrejas, ouço os cantos
Dos ministros de Deus que me repetem
Que não és mais da terra!... E choro embalde.
Mas não! Tu dormes no infinito seio
Do Criador dos seres! Tu me falas
Na voz dos ventos, no chorar das aves,
Talvez das ondas no respiro flébil!
Tu me contemplas lá do céu, quem sabe?
No vulto solitário de uma estrela.
E são teus raios que meu estro aquecem!
Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho!

Brilha e fulgura no azulado manto,
Mas não te arrojes, lágrima da noite,
Nas ondas nebulosas do ocidente!
Brilha e fulgura! Quando a morte fria
Sobre mim sacudir o pó das asas,
Escada de Jacó serão teus raios

Por onde asinha subirá minh'alma.
BANDEIRA, Manuel (org.). Apresentação da Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

01.  Assinale a alternativa correta em relação ao poema Cântico do Calvário, de Fagundes Varela.
A) A exaltação da mulher amada e o sofrimento amoroso são os temas presentes no poema.
B)   A obra possui como temática a morte precoce do filho do peta e o sofrimento deste diante de tamanha perda.
C) Atendendo às características presentes no Ultrarromantismo, o poema apresenta o nacionalismo e a idealização do índio.
D)   O poema apresenta o sofrimento de um pai diante da morte do filho e de que maneira esse pai conseguiu superar essa perda.
E)   O poema possui como tema a morte precoce do filho do poeta, utilizando uma linguagem objetiva, isenta de sentimentalismo.

02.  “Eras na vida a pomba predileta / Que sobre um mar de angústias conduzia / O ramo da esperança.”. O fragmento retrata um episódio bíblico. Que episódio é esse?

03.  A quem se refere o termo destacado no trecho: “Eras na vida a pomba predileta”? E que sentido pode ser atribuído?

04.  No trecho “Ah! No entanto/ Pomba, - varou-te a flecha do destino!”, o termo destacado refere-se à:
A)   Esperança
B)   Lamentação
C)   Morte
D)   Saudade
E)   Tristeza

05.  O poema Cântico do Calvário é representativo da chamada 2ª geração romântica ou Ultrarromantismo. Cite algumas características dessa geração.

06.  O que o eu-lírico quis dizer com os versos: “A areia tem corrido, e o livro / De minha infanda história está completo!”?

07.  No verso: “Foste o escolhido na tremenda ceifa!”, a expressão destacada tem o mesmo sentido de:
A)   Angústia
B)   Destino
C)   Morte
D)   Pureza
E)   Vida

08.  Nos versos “Tão puro ainda, ainda n’alvorada, / Ave banhada em mares de esperança”, o trecho destacado representa que figura de linguagem?
A)   Antítese
B)   Metáfora
C)   Metonímia
D)   Prosopopeia
E)   Sinestesia

Leia os versos abaixo e responda às questões 09 e 10 :

E eu dizia comigo:- teu destino
Será mais belo que o cantar das fadas
Que dançam no arrebol, - mais triunfante
Que o sol nascente derribando ao nada
Muralhas de negrume!... Irás tão alto
Como o pássaro-rei do Novo Mundo!
Ai! doido sonho!... Uma estação passou-se
E tantas glórias, tão risonhos planos
Desfizeram-se em pó! O gênio escuro
Abrasou com seu facho ensanguentado
Meus soberbos castelos.

09.  De acordo com os versos acima, pode-se inferir que
A)   Apesar de prematura, o pai já esperava pela morte do filho.
B) Diante da certeza da morte, o pai procurou não fazer planos. Preferiu conformar-se com a situação.
C)   Mesmo após a morte do filho, o pai continuava a fazer planos para o futuro.
D) O pai fazia planos grandiosos para o futuro de seu filho, porém a morte prematura da criança impediu tais sonhos.
E)   O pai procurava consolo nos planos soberbos que fez para o futuro do filho.

10.  A que se refere o termo “O Gênio escuro”?

GABARITO
01.  B
02.  De acordo com o livro de Gênesis, Noé, após o dilúvio, soltou uma pomba para ver se as águas já teriam minguado da superfície da Terra. A pomba voltou, trazendo no bico uma folha nova de oliveira. Noé entendeu, desse modo, que as águas tinham minguado sobre a Terra.
03.  O termo refere-se ao filho do poeta, que simbolizava a esperança para o pai.
04.  C
05.  – Desejo de evasão da realidade;
- Atração pelo mistério;
- Consciência da inadaptação do artista à sociedade;
- Culto a uma natureza mórbida e soturna;
- Idealização da mulher virginal e etérea;
- Atração pela morte.
     06. O eu-lírico afirma que já viveu o bastante, que não há mais motivo para continuar vivendo.
       07. C
       08.B
       09. D
      10. Morte






4 comentários:

  1. Parabéns, professora Aline Parente! Esta atividade é ímpar no tocante ao estudo do texto literário. Muito bem elaborada e explorando todas as nuances do poema.

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    1. Fico muito feliz que vc tenha gostado! Seu elogio é mais uma motivação para continuar com esse árduo e delicioso trabalho. Obrigada!

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  2. Aline, gostei bastante da atividade postada. Com certeza, é um deleite poder ler este lindo poema de Fagundes Varela e ainda ter acesso a questões que exploram muito bem o texto. Espero que você continue postando atividades assim, pois pretendo acompanhar rotineiramente o seu blog.

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    1. Que coisa boa Suziane! Agora estou ainda mais motivada! Muito obrigada!

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